quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Céu claro de inverno

Pro meu Border Collie

   Naquela manhã  quando nos deitamos em silêncio, para não despertar o tempo e fazer com que ele passe, nos abraçamos o mais próximos possível e enquanto eu corria as pontas dos dedos pelo seu corpo, meus olhos estavam abertos acompanhando-os. E eu não fazia um mero carinho que qualquer ser afetuoso seja capaz de dar e receber. Eu estava tentando mapear suas constelações  de pintas e sardas. Decorando a posição  de cada vírgula e ponto final conferidos a seu corpo para eu não tropeçar nas palavras uma próxima vez.
   E se são constelações, sei que o universo nunca para de expandir-se. Seria então uma bobagem tentar mapear.
   Mas quando ficamos assim entorpecidamente unidos e sem pensar em mais nada, tenho certeza de que a Terra não está se movendo no espaço, até que me provem o contrário.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Estrelas são fantasmas

"Fazia muito tempo que eu não tinha vontade de sorrir para nada nem para ninguém, então era extraordinário que ele conseguisse perturbar assim os cantos de meus lábios".
  E fazia tempo que eu não sentia esse torpor bifásico oscilante entre meus versos preferidos de "death and all his friends" e um desespero sufocante, que embora durasse umas horas, eu media todo seu infinito.
  Sei que ando não gostando de muita coisa, ou de coisa alguma, ou dizendo nada, e de repente, tudo. Sei que aqui nenhum rebuscamento é capaz de esconder o cerne das palavras. Olhos treinados. Sei que não devia me mostrar tanto ao ponto de ser interpretada. Mas me desnudaram de uma forma interessante. E decoraram cada detalhe, cada cicatriz.
Sei que olhar para o céu é como olhar para o passado. Milhões de luzes que só existiaram anos atrás não têm me dito nada, ultimamente. E como poderiam?
  Ainda espero, então,  as anti luzes pra onde olhar a fim de ver o futuro como quem vê uma peça teatral, mas a natureza não nos dá certos privilégios. Antes, os damos nós. E nos arrependermos. E desarrependemos. E tentamos nos manter fiéis a nós, mas a mente é uma trapaça.
  O que nos mantém no chão não é mais a gravidade, tampouco convicção. Mas a busca efêmera por sentido. Um sentido que nem sabemos se existe. Que é como um fantasma que ouvimos soprar, mas pode ser só a janela.
  Porém, todos vivemos num mundo sem ventos de esperança, querendo acreditar nas almas penadas que conhecem além do Além onde vivem.
  Faz pouco tempo que até as poucas coisas que eu ainda gostava começaram a se desfazer.

domingo, 12 de abril de 2015

Hoje

Hoje estou ouvindo Rock velho.
Hoje quis comprar a caixa com o chocolate amarelo.
Que não é minha favorita, mas
Quis pegar a estrada de novo, hoje.
Queria ver sua cara de bobo, hoje.
Mesmo sem as tradicionais listas e pautas.
Mas é que, hoje foi dia de sentir sua falta.

sábado, 28 de março de 2015

Monó(volta)logo interior

   Me pergunta se acredito nessas coisas. Como se no fundo não acreditasse também. Ora, por que brincar de negar certas evidências?
   Se o orgulho, como muito foi dito, é uma particularidade minha,entenda que seu braço não é tão difícil de dar a torcer. E mesmo que minha influência não seja negativa, você pode acatar às vezes.
   Já não está farto de ler meus pensamentos? Pois isso está ficando cada vez mais fácil. Leia, portanto, meus olhos, que dançam fugindo dos seus. Não porque não se gostam, mas por medo de adormecerem para sempre, contaminados por esse sono bêbado que carrega dentro deles. Essa calma risonha que por um segundo mata minhas preocupações.
   E é tão engraçado quando tenta fazer piadas sobre amor, enquanto eu rio levando a sério, e mesmo assim nunca usei essa palavra. Ainda estou esperando que suba para minha cabeça, na corrente sanguínea, todos os caquinhos de amor que há muito se espalharam pelo meu corpo a fim de eu conseguir me mover em volta de tudo isso.
   E mesmo que essa piada tenha sido péssima, Senhor Exclusivo, pela primeira vez me sinto mais boba que você.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Horário de verão

Onze horas de novo
E eu te espero voltar do banho
Pra te perturbar com um jogo
Um pequeno tempo ganho
E eu nem acho mais estranho
Dar um sorriso do seu tamanho
Quando faz algum comentário bobo
Mas olha, são onze horas de novo.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Plenitude

(Para o Sr. Exclusivo e exército.)

É quando você se sente estável, mesmo num barco que flutua em caos.
É quando você se alegra em não encontrar motivos para não se alegrar.
E, principalmente, quando da janela você vê uma estrela cadente passar e só sorri de volta.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Serb

  Não seria suportável permanecer em casa à noite. Possuía um espírito inquieto, ou seria a mente?
  Perambulou pelos becos úmidos pintados de urbanismo europeu. A fumaça do Lucky Strike se misturava com a serragem. O cigarro o ajudava a se manter aquecido. Como sempre foi de poucas palavras, não sentia falta de companhia, mas o que lhe faltava falar sobrava em pensar. “Overthink” era como gostava de chamar esse comportamento.
  Os fones de ouvido lhe tocavam a barba por fazer, e deles saíam confusões líricas murmurando rimas pelo silêncio da cidade àquela hora.
  Seus olhos verdes pareciam entorpecidos pela paralisia do momento, quando na verdade enxergavam por dentro. Iluminavam aqueles tantos pensamentos profundos demais para alguém tão aparentemente pouco complexo. Darko não deixaria transparecer suas camadas.
  Apesar de toda paz e leveza que transmitia, quando sozinho e sem exercitar sua gentileza nata, ele passaria despercebido. E essa solidão que o fazia pensar. E ele pensava além do compreensível. Ele pensava coisas que ninguém pensou antes. E às vezes, aquele rosto que um dia tanto importou habitava ainda seus pensamentos. E quando isso acontecia, ele não poderia segurar um sorriso discreto. E ia pela noite caminhando (ele adora caminhar). E caminhando e sorrindo enquanto soltava fumaça branca pelo canto da boca. Cercado de paredes molhadas de sereno. Ele se prolongava por horas, na ausência do Sol. E essa rotina não era nada triste. Triste talvez fosse lembrar o quão longe estava aquele rosto contornado de cabelos pretos. Mas tudo bem, pois ainda era uma tristeza que o fazia sorrir.
  Darko não podia reclamar da vida, quando se lembrava de tudo que já havia passado. O trabalho ia bem, há alguns meses havia alugado um apartamento moderno nos arredores de Belgrado. Talvez a única coisa que lhe fazia falta fossem as longas noites dos fins de semana no interior urbano de Kragujevac, e o fato de não ter de se enfiar num terno engomado na manhã seguinte. E enquanto sentia essa saudade, ele percebeu que agora era jovem, mas não um jovem completo. Ele sentia que a vida era como um Lucky Strike aceso, e cada etapa, um trago. Darko era um jovem cansado, como um velho. Que pensava demais. Que morria um pouco a cada dia, entorpecido pela necessidade de se sentir grato e feliz.
  Já a poucos passos de casa, acendeu uma segunda vida, e mais uma vez o rosto de sorriso torto piscou entre seus pensamentos e ele se se encostou num portão qualquer para olhar as estrelas, como ele costumava, anos atrás, quando era um ritual esse ato, pois ajudava a refletir sobre ela, o maior de seus enigmas. O que ela estaria fazendo? Que horas são onde ela está? Darko não conseguia se lembrar da diferença do fuso. Tampouco dos tempos de horário de verão. Ele sentia falta de toda essa informação, e olhando para o mindinho esquerdo, deixou sair fumaça com um sorriso frouxo. Resolveu não se concentrar em reclamar daquilo também, do que passou, mas por algum motivo apagou o cigarro nas grades do portão (talvez porque gostasse das faíscas laranja) e seguiu para casa a passos largos com a certeza de que ao chegar tentaria uma aproximação, de que recomeçaria um contato, apesar das possibilidades.
  Dormiu pouco depois de chegar em casa. No sofá, em frente à TV ligada. Nem se atreveu a pensar no que destruiu suas esperanças. Mas naquela noite, sonhou com um fio escarlate que cortava a terra entremeio estrelas alaranjadas, como as faíscas do Lucky Strike. E o rubor repousava a meio mundo dali, como um chamado inconsciente de quem também sentia sua falta.