sábado, 30 de novembro de 2013

Rebuscamento

Perdi-te como o cálcio dos ossos
Parti-te o coração e o meu
Vaguei só por moços e remorsos
Busquei noutros, olhos como os teus

E dentre noites quentes e doentes
Gritei ao vazio mil promessas febris
Verti da alma cantis de lágrimas ardentes
Pois certamente não seria mais feliz

Em meio a tempestuosos pesadelos
Ecoava o terror que de ti ouvi
Te perderia por entre outros cabelos
Enquanto embaraçava o amor que havia em mim

Tu que perdido estás a algum tempo
Nos emaranhados que minha vida já formou
Permite tu que eu te ilumine num momento
Quando o vejo cego de dúvidas por quem sou

Se na busca por ti eu me perder,
Me perdoe se perdidos sentem dor
E se demasiado rebuscado parecer,
Pois que noutros séculos não sentiram tal amor.

sábado, 23 de novembro de 2013

Silver lining

   Quero falar do vazio. Do gigante, que não fecha, que não cessa. Não quero falar de amor, ou de ódio ou de indiferença, só o vazio que não vai, que me cai.
   Que sempre esteve aqui e sempre estará, que pulsa e aperta e venta. Que nada cabe, nem ninguém. O buraco sem fundo que não tem tampa. Que não é janela, que não dá resposta, nem tem outro lado.
   A grande tristeza, que nem é triste, que é oca, sem ar, sem temperatura. Entorpecência que me acompanha lado a lado pela vida e que às vezes me dá "oi". Só pra eu saber que ainda está ali, só pra brincar de inspiração, só pra ter certeza de que me é confortável, que eu sinto falta, que eu sigo à risca uma frase boba que li de uma entrevista desinteressante. "Felicidade demais cansa". E assim, até cavo o próprio vazio só pra me esticar pra fora e sair pra respirar depois. Sair e escrever bonitinho alguma coisa.
   O auto-flagelo que todos deviam tentar, mas me olham torto quando tento explicar. E esse buraco que nem é negro, mas acinzentado com as bordas douradas, como o sol, eu o utilizo muito bem. É como ter um próprio sol, mas só me bronzear às vezes, quando me canso da felicidade fresca. Que uso pra me iluminar as ideias. Mas por que não ter boas ideias na felicidade? Porque aí não falta nada. Felicidade dá essa sensação empanturrada de que não cabe mais nada.
   Vomitar essa tristeza abre espaço pra inspiração. É como uma meditação. Quem usa, entende. Nem adianta falar de humor. É só um vaziosinho do bem. É amigo e não faz mal. Mas o sintoma é ficar quieto, calado, doendo pra rir, querendo produzir. Quem produz, meio que precisa. E quem tem, tem que saber usar.
   É quase um dom, gostar de um aperto assim. Conseguir lidar com a falta de sentido que pousa leve como uma borboleta, fica ali machucando e ajudando, por umas horinhas e depois voa de volta pro esquecimento.
   Falo disso porque acontece. Agora. E não dá pra sentir nada enquanto acontece. Nem amor, ou ódio, ou indiferença. Só o vazio que não vai e que me cai.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Eu Astronauta

Saiu por aí, atmosfera afora
Com seu traje... Espacial ou especial?
Girando o "mundo" sem demora
Sozinho, vagando entre estrelas e saudades.
"Meu cachorro na varanda"
"Minhas tardes... Meus amores"
E só lhe restava o nada, o tudo,
Um universo incondicional
Cheio de saltos e cambalhotas.
E no meio de tantas piruetas intergalácticas
Virou artista num picadeiro sem fim... Enfim,
Voava por aí, entre ruas e luas,
Sonhando... Lembrando,
Do tempo em que orbitava por teus cabelos.

- Lucas Bernardo

A viagem dos Beija-flores

As certezas que pensei ter tido
Os amores que acreditei ter sentido
Todo fôlego que eu havia perdido
Foram páginas de um livro não lido

Mas foi ao tentar partir a flor
Me cortar e então ver o rubor
Descobri que fosse como for
Ainda me sangrava amor

Nessa tarde mal planejada
Sonhava pesadelos acordada
Dando a vida como acabada
Secava uma lágrima desajeitada

Mas veio rápido como um vulto
Um entrelaço que causou tumulto
Expôs o antigo sentimento oculto
Que de tanto penar, tornou-se adulto

E rasurando a página do fim
Toda vez que você me abraça assim
Nascem flores dentro de mim
Sou um beija-flor que encontrou seu jardim.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Proclamação da República

   "Ou eles saem, ou saio eu."
   E com essa certeza, levantou carregando preguiça até os fios de cabelo molhados. E após mais alguns minutos de enrolação, e de calçar o converse branco sem uma das palmilhas, saiu sem rumo, exatamente, com os fones de ouvido estourando um pós punk qualquer, só pra não ouvir o som da rua, só pra dar tempo de criar mil roteiros perfeitos que nem vão acontecer no final.
   Um desses dias que você sabe que não está com uma cara boa, que não vai sorrir por conta própria. Esses feriados que caem no dia errado e deixam a rua vazia que nem o coração.
   Foi então pro cinema, que compensava o deserto das ruas, parecia um formigueiro infernal. Já com o desânimo palpitando nas veias, nem percebeu que seus pés entraram na fila que parecia uma centopeia falante. Desculpa para conseguir mais tempo de pensar, de se acalmar, ou de ficar pior. Morrendo de ansiedade, como sempre acontecia em público de desconhecidos, ou simplesmente quando precisava esperar por qualquer coisa, foi seguindo passo a passo a multidão que não ouvia. Fones.
   Entre um "esgotou" e outro que os atendentes gritavam, resolveu checar a programação já que estava lá, seguindo a linha curva sem destino.
   E o azar foi tentar ver uma estreia ainda à venda. Depois de meia hora de sangue fervendo, refluxo, vontade de empurrar meia dúzia de adolescentes anencéfalos, chegou ao caixa que anuncia o esgotamento da tal sessão.
   "Okay, o que tem pra amanhã?"
   Contendo uma lágrima de desapontamento com a vida, visualizou a tela cheia de numerinhos não-verdes, quase todos. Quase se esgotando também. Quis jogar o monitor no chão e pisar em cima até não sentir mais as pernas.
   "Domingo, então..."
   Quis comer alguma coisa, a praça de alimentação em outro andar. Fechada. Feriado, feriado, FERIADO!
   Volta pro andar do cinema pra loja de conveniências, pisando a escada rolante como se fosse uma das paradas. A raiva havia enchido o estômago.
   "Ninguém consegue ser mais infeliz que eu."
   A coisa mais certa que já havia pensado. Não com raiva ou real angústia, só uma acomodação, uma aceitação. Há quem nasce pra ser feliz e quem, bom...
   Voltar pra casa nesse humor com uma coca e um ingresso pra dali a dois dias nunca seria garantia de realmente assistir alguma coisa, mas quis botar na cabeça que não havia saído à toa, isso era importante.
   Terminou a noite achando na tevê a gravação de um show do ano passado, que planejou ir, mas não foi. E ali, verificando o que perdeu, desejou mesmo é que tivesse perdido o dia, esse completamente desnecessário da vida.
 

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

A facilidade que escolhi

   Quem dera fosse difícil amar.
   Quem dera fossemos pedras secas de onde se sobe o pó e reluz o sol, impenetráveis e imutáveis, foscas e ranhosas. Seria tão mais simples, tão mais prático, talvez.
   Mas, não. Amar é fácil, quando vemos já aconteceu. Quando vemos já estamos sorrindo sozinhos, dando bom dia pra estranhos e fazendo planos com alguém que passou a significar mais que nossos próprios planos secretos e solitários.
   Não mais secretos, tampouco solitários.
   Quando vemos, estamos gritando que nosso amor é maior que todo e qualquer amor já confessado nesse mundo, maior também que os que ainda serão sentidos, escondidos ou declarados. E por mais que todos os amantes possam dizer o mesmo, no fundo continuamos pensando que só o nosso é assim tão grande. É tão bobo.
   E é tão difícil ser então essa pedra esperta, inteligente e incapaz de amar, que você se esforça, nega, tenta não sorrir, não pensar. É difícil não amar. Você precisar dizer muitos "não quero" e "não posso" que talvez não existam. Você precisa criar tantos problemas imaginários. Você precisa acreditar que é bom ser tão duro assim, com aquele olhar cansado de quem não dormiu por lembrar de quem não se ama, porque não ama!
   Fácil é confessar que depende de alguém pra estar bem, que você não vive mais só por si. Que os problemas que você inventa, até que existem, mas são irrisórios perto daquilo que você se nega a sentir.
   O amor é fácil como se deslumbrar com a natureza após soprar um dente de leão, como gostar de pisar no chão de madeira que não conduz calor, numa noite fria. E é leve como chá de bergamota numa tarde de chuva.
   Difícil é negar pra si mesmo a beleza de um pôr do sol quando ele está se escondendo atrás do mar, na sua frente. Ou negligenciar o sono, com suas pálpebras já fechadas. Mas mesmo assim, o amor é descartado. Há quem consiga, há quem se esforce.
   E depois de transformado, de blindado, de congelado, seu coração parece feliz, mas está entorpecido pela necessidade que você constrói. Mas sem amar você sabe, no fundo você sabe, que é a vida é como um passarinho e se o amor é brisa, quando venta dói.