terça-feira, 30 de setembro de 2014

Serb

  Não seria suportável permanecer em casa à noite. Possuía um espírito inquieto, ou seria a mente?
  Perambulou pelos becos úmidos pintados de urbanismo europeu. A fumaça do Lucky Strike se misturava com a serragem. O cigarro o ajudava a se manter aquecido. Como sempre foi de poucas palavras, não sentia falta de companhia, mas o que lhe faltava falar sobrava em pensar. “Overthink” era como gostava de chamar esse comportamento.
  Os fones de ouvido lhe tocavam a barba por fazer, e deles saíam confusões líricas murmurando rimas pelo silêncio da cidade àquela hora.
  Seus olhos verdes pareciam entorpecidos pela paralisia do momento, quando na verdade enxergavam por dentro. Iluminavam aqueles tantos pensamentos profundos demais para alguém tão aparentemente pouco complexo. Darko não deixaria transparecer suas camadas.
  Apesar de toda paz e leveza que transmitia, quando sozinho e sem exercitar sua gentileza nata, ele passaria despercebido. E essa solidão que o fazia pensar. E ele pensava além do compreensível. Ele pensava coisas que ninguém pensou antes. E às vezes, aquele rosto que um dia tanto importou habitava ainda seus pensamentos. E quando isso acontecia, ele não poderia segurar um sorriso discreto. E ia pela noite caminhando (ele adora caminhar). E caminhando e sorrindo enquanto soltava fumaça branca pelo canto da boca. Cercado de paredes molhadas de sereno. Ele se prolongava por horas, na ausência do Sol. E essa rotina não era nada triste. Triste talvez fosse lembrar o quão longe estava aquele rosto contornado de cabelos pretos. Mas tudo bem, pois ainda era uma tristeza que o fazia sorrir.
  Darko não podia reclamar da vida, quando se lembrava de tudo que já havia passado. O trabalho ia bem, há alguns meses havia alugado um apartamento moderno nos arredores de Belgrado. Talvez a única coisa que lhe fazia falta fossem as longas noites dos fins de semana no interior urbano de Kragujevac, e o fato de não ter de se enfiar num terno engomado na manhã seguinte. E enquanto sentia essa saudade, ele percebeu que agora era jovem, mas não um jovem completo. Ele sentia que a vida era como um Lucky Strike aceso, e cada etapa, um trago. Darko era um jovem cansado, como um velho. Que pensava demais. Que morria um pouco a cada dia, entorpecido pela necessidade de se sentir grato e feliz.
  Já a poucos passos de casa, acendeu uma segunda vida, e mais uma vez o rosto de sorriso torto piscou entre seus pensamentos e ele se se encostou num portão qualquer para olhar as estrelas, como ele costumava, anos atrás, quando era um ritual esse ato, pois ajudava a refletir sobre ela, o maior de seus enigmas. O que ela estaria fazendo? Que horas são onde ela está? Darko não conseguia se lembrar da diferença do fuso. Tampouco dos tempos de horário de verão. Ele sentia falta de toda essa informação, e olhando para o mindinho esquerdo, deixou sair fumaça com um sorriso frouxo. Resolveu não se concentrar em reclamar daquilo também, do que passou, mas por algum motivo apagou o cigarro nas grades do portão (talvez porque gostasse das faíscas laranja) e seguiu para casa a passos largos com a certeza de que ao chegar tentaria uma aproximação, de que recomeçaria um contato, apesar das possibilidades.
  Dormiu pouco depois de chegar em casa. No sofá, em frente à TV ligada. Nem se atreveu a pensar no que destruiu suas esperanças. Mas naquela noite, sonhou com um fio escarlate que cortava a terra entremeio estrelas alaranjadas, como as faíscas do Lucky Strike. E o rubor repousava a meio mundo dali, como um chamado inconsciente de quem também sentia sua falta.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Tri

   Sair por aí dizendo que a montanha russa está indo pra cima nunca pareceu tão certo. Não por estar convicta de alguma grande felicidade. Mas quem habita os trilhos sabe como se comporta um vale. Depois de um tempo, você só pode subir.
   E dá um arrepio quando eu olho pra trás, e talvez um susto quando penso que estou cada vez mais longe do último ponto:
   O vale da montanha russa, a velha zona de conforto, onde eu, na covardia do conformismo, cogitei a ideia de ficar pra sempre. Sem altura, sem medo, sem riscos. Mas não foi pelo vale que paguei o brinquedo. Mas pela velocidade dos pensamentos, as subidas de níveis e os loops das situações.
   E talvez eu até dê uma segunda volta passando por aquele lugar sem graça pra pegar impulso. Mas uma vez ciente de três outros trechos ora perigosos, ora empolgantes, acabo torcendo pro tempo acabar antes da descida.

sábado, 28 de junho de 2014

domingo, 27 de abril de 2014

Earl Grey

   Naquela época eu bebia muito chá. Talvez um hobby herdado de Alice, sabia todos os cheiros e cores e acompanhamentos, mas isso não se esquece. E também lia muito, a fumaça doce vinha sempre com o regozijo de alguma prosa poética de Lewis. E como era de certo bem aproveitado o tempo livre. No aguardo do que havia de vir, no aguardo do agora que ainda não existia.
   E entre páginas e xícaras, a melanina escassa dos olhos se perdiam por entre paisagens a serem registradas, eternizadas como que cheias de significado. Era o que eu buscava: Significados.
   É estranho pensar em como parecia ser um alvorecer, tudo aquilo, qualquer faísca de satisfação, tão facilmente obtida, tanta inspiração interna que sem aviso, se esvairia. Toda novidade tem seu preço: acabar um dia, ou simplesmente seguir o curso mais óbvio da metamorfose, que é deixar de ser novidade.
   Aquela facilidade ínfima de ver uma beleza apolínea em qualquer mínimo artefato haveria de se sublimar como a fumaça do último saquinho de Earl Grey. Curioso esse chá, que nos desaponta com o tímido sabor, após nos enfeitiçar com seu exuberante aroma.
   Curiosa essa vida, saturada de energia ainda que a grosso modo se é comparada à inércia. E depois cada flor, cada livro e cada grão de açúcar, apenas nos passam pela memória como uma foto sem foco, bem diferente das da época. E a percepção das mudanças se assemelham ao despertar de um sono de três anos, em busca da retomada daquele ponto de vista quase esquecido.
   Quando penso na ironia do único chá disponível ser chá francês torrado em um minúsculo saco plástico que viajou pelo Atlântico até mim, como um presente, me vem o pesar de usá-lo, para que continue por muito tempo sendo uma novidade, e que eu nunca venha me decepcionar com seu sabor, antes me satisfaça apenas seu aroma, como na vida quando tento buscar sempre um porvir que acrescente, adiando a chegada para que não tenha a decepcionante estagnação como companhia.

quarta-feira, 26 de março de 2014

O problema não é meu

    Meu problema se faz vasto, assim como minha mente, ela sempre procura vastidão. Procurar vastidão no vazio, um eterno ciclo autodestrutivo, que procura escape para sua iminente explosão, que só é percebida por poucos nos dias de hoje, e sei que em um deserto nunca irei achar uma flor que baila ao meu cantar.
    Como aguentei caminhar por este deserto todo esse tempo, ainda não sei, talvez porque demorei a começar a procurar tais flores, que só agora vieram à tona, só agora se fizeram importantes, só agora são requisitadas por serem a peça chave do quebra-cabeça, que dará sentido à toda confusão e complicação que, por um raro distúrbio conhecido como personalidade, ouso criar.

                                             - Edjar T.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Ode às girafas de pescoço curto AKA seleção natural

    Certa vez pensei ter visto a eletricidade passando por um fio no poste na rua. Foi tão rápido, um relance. Mas seria tão improvável tal fenômeno Thoriano que prefiro acreditar ter sido o reflexo de algum farol.
    Como os aviões que quando estão tão longe, pequenos e silenciosos, por um segundinho que seja, pensamos ser cometas. Mas sendo aqui tão perto do aeroporto, os aviões passam tão baixo e tão gordos e barulhentos que eu posso até ler-lhes os nomes das companhias na lateral. Então deixei de acredirar em cometas. E mesmo que esteja vendo um, vou dizer que é só um avião em outra rota, longe. Os aviões graúdos que me acordam de manhã são como a realidade. A realidade pesa e acorda de um jeito incômodo.
    Eu muito queria entender quem consegue aderir à realidade por inteiro. Pois eu, mesmo que tenha sido lançada dentro dela, vou sempre ver primeiro no raio de luz atravessando o fio e depois suspirar triste "farol. Não que seja altamente relevante a visualização de um pequeno fenômeno, mas pessoas que visam a fuga da realidade tem uma queda pela quebra da mediocridade.
"Medíocre". Eu sempre usei tanto essa palavra. Tantos anos de excentricidade. Pra agora só acreditar em aviões. Mas o que me restaria, de qualquer forma?
    Como aquela vez que pensei ter visto uma faísca de amor nos seus olhos. Foi tá rápido. Um relance. Mas seria tão improvável tal fenômeno platônico que só me resta acreditar ter sido um reflexo dos meus se afogando no lodo insosso que dizem dar acesso à sua alma. E lá dentro eu me afogava em mil questionamentos e charadas e mesmo presa na cor de areia movediça, tentei nos puxar pra fora das companhias aéreas (tão reais!) E te levar a contar os cometas da vida, mesmo que eles não existam. Afinal, as vezes o melhor da vida nem é real. Mas era tarde de mais, pois na verdade seus olhos refletiam um "eu"que você nem sabe se conhece. E a quem você dá faróis.
    Talvez você seja uma dessas pessoas reais que só acreditam em avião. Não necessariamente medíocre, mas bem avião. Bem farol.
         E isso dá medo.

sábado, 15 de março de 2014

The last impressions

   When I woke up your cat was chewing the blanket next to me.
I found it quite fair that he finally shows up he doesn't hate me.
   But you know what they say about cats -they feel.
   While trying not to bother him, I sat down in bed giving that heavy look around. Minding to catch the last impressions of your bedroom.
First the school hoodie hang behind the door. It just made me remember how we threw beer cans on the school garden the first day I was here. That blue standing there made me giggle a little bit. And then your lamp. We ended up using it a lot the past few days. The globe lamp stopped working. I like to think that the universe didn't bear our first cuddle attempt just because. So the energy spot just blew up. That memory made me laugh out.
   Then your computer where I'd rather to stare but your eyes (cause they drown me). And which keyboard I used to fix the position. You'd mess it up again just to prove me insane.
   Then your bed. Where we'd stand awkward but last night. Many things happened there. Head leaning on shoulder, hugs, awkward hugs, tight hugs, surprise hugs, bites, kissing, laughs. I even like the smurfs now.
   You were sleeping softly when I looked at it. And I saved in my memory. Your sleep. Your pale face lying sweetly on the green pillow. That trouble maker face that tricked me all the time.
I thought I'd cry my ass out when time to leave came, but not. I probably didn't assimilate yet. That you're further with each minute of today.
   But now all I can see is this road taking me home. Taking me back to reality. Taking me away from you once again.
      And I hate it. I hate it. I hate it...

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Wanderlust

(Para o Luis, Lulu, Yuyu, LuiS2 que gosta tanto dessa palavra que poderia lambê-la como um picolé)
Permita que eu faça o discurso pedante porém sincero sobre minha recente necessidade.
Permita que eu tente explicar a vontade de sair. Sair daqui. Como já havia saído um dia de lá, e ao sair de mim, que eu me encontre em outro lugar.
Ou não encontre. Talvez seja melhor encontrar a outros. Ter outros, ser outros. Sair um pouco do "eu".
E que nessa wanderlust física e mental eu possa absorver o colorido de todos os horizontes de sons e ventos que eu até então não havia sentido.
Que eu possa encontrar um lugar para gritar sem que ninguém me ouça.
Que eu possa encontrar quem seja completamente diferente de mim para que eu precise de forças para entender
Que eu possa tocar o por do sol e farejar a felicidade.
Que eu possa esquecer o motivo pelo qual quis viajar e me lembrar de um futuro que ainda não aconteceu. 
Que eu possa pular numa poça de alegria e molhar quem estiver por perto.
Que eu possa experimentar sentimentos exóticos como se fosse comida tailandesa.
Que eu possa tomar decisões num piscar de olhos.
Que eu possa ver borboletas e flores no caminho.
Que hajam caminhos.
Que eu possa trazer de volta o que não cabe em nenhuma mala.
E que eu possa deixar por lá o que eu não mais precise.
Porque no fundo, toda viagem é pra fugir. E que eu possa voltar segura trazendo um novo mundo em mim.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Enfeveirada

   A vida deve ser mesmo cheia desses momentos grotescos de mudanças. Pra melhor, pra pior, pra diferente. Mudanças que nos obrigam a pensar em tudo de um ponto de vista egocêntrico. Não egoísta, mas fazem olhar para dentro. A vida exige que pensemos só em nós por pelo menos uma vez. Que façamos limpezas, que expiremos positividade. Não positividade surfista, mas uma bem real, uma que funcione. Que não seja só falada, mas sentida. Que disperse cada medo recente, cada remorso errado, cada preocupação com o insolucionável.
   A mudança em questão exigiu um pouco mais de mim do que nunca. Como se eu me pedisse uma fuga, um vazio, um recomeço. Aflorou-se então uma necessidade de deixar ir, de desapego (talvez motivado pelo amigo que martelou essa ideia em volta de mim todo o fim de semana), de abstinência necessária, da busca nostálgica pelo "como eu estava nessa mesma época, anos atrás" e por incrível que pareça, e parafraseando o que um dia li num desses sites esotéricos, cada ser tem sua época do ano para fazer um balanço e providenciar uma diferença que seja na percepção ou ação.
   Dessa busca pelos meus passados fevereiros e marços, uma recapitulação do início de singelas relações aflora a vontade de dizer para cada pessoa o quanto ela é importante e quão peculiar a vida foi ao proporcionar tais encontros, de certa forma.
   Além de retomar o passado, essas mudanças no meu próprio eixo abrem gigantescas expectativas para o futuro, dando a impressão de que tudo ficará bem. Não de uma forma enganosa, mas principalmente, talvez, porque foi seguida à risca a instrução de deixar que tudo de mal fosse embora. Mesmo que beliscasse um pouquinho pra sair, mesmo que às vezes arda, foi arrancado, e não volta.
   E a previsão é de montanhas verdes e barulhos de cascatas com longas caminhadas cheias de palavras felizes ou de confortável silêncio, mas vazias de preocupação. E tudo que almeja no momento é se perder por entre as trilhas de cabelo cor de palha e sorrisos tímidos. Por entre cidades de pedra ou de papel. Ou de tesoura.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Confissão urgente (3h da manhã)

    Ai, é triste como sempre me dá uma vontade de você essa hora. Quando você já foi. Vontade de ficar conversando com você sobre coisas bobas e coisas nossas. Que só a gente vai entender ou achar interessante. Vontade de fazer alguma piada maldosa sobre você, que se vinga com cócegas (ou falando mal do Mika). Vontade de deitar do seu lado e te olhar com um sorriso bobo que eu sei que faço quando olho pra coisas que eu acho incríveis. E depois de me achar boba demais por só te olhar, pegar no seu cabelo, devagar, como se estivesse dormindo e eu não quisesse te acordar. E te beijar mesmo sem você pedir. Mesmo sem saber se você quer. Só pelo fato de eu querer. Vontade de poder te acordar agora no meio da noite só pra te dizer tudo isso. Pra dizer mais uma vez o quanto eu te amo. Porque cada vez é diferente. E essa diria "eu escolho você pra me fazer ter essas vontades. Eu escolho você pra me dar paz e me fazer feliz".

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Here's to Alice

    This is about what Alice taught me.
    Alice taught me that it doesn't matter what you intent to do, you must always go for what you love to do. It doesn't matter what career you expected yesterday, or what others expect from you. You can stop doing anything and go for what you really love.
    Alice taught me that sometimes you need to visit your home place. Not for people, not for obligation. Just for visiting. And shoot photos.
    Alice taught me that there's a day in life when you grow up. No matter what it looked like in your head before, once you grow, you must change. Change people, change your hair, change your place, change your boyfriend. And you can even miss the ungrown life, but can't go back.
    Alice taught me that you can make real money doing what you love, cause you gonna do it good. And people gonna like it, and pay for it, and see the bright in your eyes and be sure they can count on you for doing it.
    Alice taught me how good is eating. Just eat. Food is beautiful. Food is magic. Food is a lifestyle.
    Alice taught me that once you love a place, you become part of it. You have not your face anymore. You've got NY's face. Or L.A's face. Or China's face. Or Rio's face.
    Alice taught me... Coffee.
    Alice taught me how good can be being organized.
    Alice taught me how cool could be running a blog.
    Alice doesn't even know me and could probably be scared if she did now.
    All Alice ever said to me was "Thank you very much".
    And how funny can it be, when I'm who actually have so much to thank for?