domingo, 27 de abril de 2014

Earl Grey

   Naquela época eu bebia muito chá. Talvez um hobby herdado de Alice, sabia todos os cheiros e cores e acompanhamentos, mas isso não se esquece. E também lia muito, a fumaça doce vinha sempre com o regozijo de alguma prosa poética de Lewis. E como era de certo bem aproveitado o tempo livre. No aguardo do que havia de vir, no aguardo do agora que ainda não existia.
   E entre páginas e xícaras, a melanina escassa dos olhos se perdiam por entre paisagens a serem registradas, eternizadas como que cheias de significado. Era o que eu buscava: Significados.
   É estranho pensar em como parecia ser um alvorecer, tudo aquilo, qualquer faísca de satisfação, tão facilmente obtida, tanta inspiração interna que sem aviso, se esvairia. Toda novidade tem seu preço: acabar um dia, ou simplesmente seguir o curso mais óbvio da metamorfose, que é deixar de ser novidade.
   Aquela facilidade ínfima de ver uma beleza apolínea em qualquer mínimo artefato haveria de se sublimar como a fumaça do último saquinho de Earl Grey. Curioso esse chá, que nos desaponta com o tímido sabor, após nos enfeitiçar com seu exuberante aroma.
   Curiosa essa vida, saturada de energia ainda que a grosso modo se é comparada à inércia. E depois cada flor, cada livro e cada grão de açúcar, apenas nos passam pela memória como uma foto sem foco, bem diferente das da época. E a percepção das mudanças se assemelham ao despertar de um sono de três anos, em busca da retomada daquele ponto de vista quase esquecido.
   Quando penso na ironia do único chá disponível ser chá francês torrado em um minúsculo saco plástico que viajou pelo Atlântico até mim, como um presente, me vem o pesar de usá-lo, para que continue por muito tempo sendo uma novidade, e que eu nunca venha me decepcionar com seu sabor, antes me satisfaça apenas seu aroma, como na vida quando tento buscar sempre um porvir que acrescente, adiando a chegada para que não tenha a decepcionante estagnação como companhia.