Não seria
suportável permanecer em casa à noite. Possuía um espírito inquieto, ou seria a
mente?
Perambulou pelos becos úmidos pintados
de urbanismo europeu. A fumaça do Lucky Strike se misturava com a serragem. O
cigarro o ajudava a se manter aquecido. Como sempre foi de poucas palavras, não
sentia falta de companhia, mas o que lhe faltava falar sobrava em pensar.
“Overthink” era como gostava de chamar esse comportamento.
Os fones de ouvido lhe tocavam a barba
por fazer, e deles saíam confusões líricas murmurando rimas pelo silêncio da
cidade àquela hora.
Seus olhos verdes pareciam entorpecidos
pela paralisia do momento, quando na verdade enxergavam por dentro. Iluminavam
aqueles tantos pensamentos profundos demais para alguém tão aparentemente pouco
complexo. Darko não deixaria transparecer suas camadas.
Apesar de toda paz e leveza que transmitia,
quando sozinho e sem exercitar sua gentileza nata, ele passaria despercebido. E
essa solidão que o fazia pensar. E ele pensava além do compreensível. Ele
pensava coisas que ninguém pensou antes. E às vezes, aquele rosto que um dia
tanto importou habitava ainda seus pensamentos. E quando isso acontecia, ele
não poderia segurar um sorriso discreto. E ia pela noite caminhando (ele adora
caminhar). E caminhando e sorrindo enquanto soltava fumaça branca pelo canto da
boca. Cercado de paredes molhadas de sereno. Ele se prolongava por horas, na
ausência do Sol. E essa rotina não era nada triste. Triste talvez fosse lembrar
o quão longe estava aquele rosto contornado de cabelos pretos. Mas tudo bem,
pois ainda era uma tristeza que o fazia sorrir.
Darko não podia reclamar da vida, quando
se lembrava de tudo que já havia passado. O trabalho ia bem, há alguns meses
havia alugado um apartamento moderno nos arredores de Belgrado. Talvez a única
coisa que lhe fazia falta fossem as longas noites dos fins de semana no
interior urbano de Kragujevac, e o fato de não ter de se enfiar num terno
engomado na manhã seguinte. E enquanto sentia essa saudade, ele percebeu que
agora era jovem, mas não um jovem completo. Ele sentia que a vida era como um
Lucky Strike aceso, e cada etapa, um trago. Darko era um jovem cansado, como um
velho. Que pensava demais. Que morria um pouco a cada dia, entorpecido pela
necessidade de se sentir grato e feliz.
Já a poucos passos de casa, acendeu uma
segunda vida, e mais uma vez o rosto de sorriso torto piscou entre seus
pensamentos e ele se se encostou num portão qualquer para olhar as estrelas,
como ele costumava, anos atrás, quando era um ritual esse ato, pois ajudava a
refletir sobre ela, o maior de seus enigmas. O que ela estaria fazendo? Que
horas são onde ela está? Darko não conseguia se lembrar da diferença do fuso.
Tampouco dos tempos de horário de verão. Ele sentia falta de toda essa informação,
e olhando para o mindinho esquerdo, deixou sair fumaça com um sorriso frouxo. Resolveu
não se concentrar em reclamar daquilo também, do que passou, mas por algum
motivo apagou o cigarro nas grades do portão (talvez porque gostasse das faíscas
laranja) e seguiu para casa a passos largos com a certeza de que ao chegar tentaria
uma aproximação, de que recomeçaria um contato, apesar das possibilidades.
Dormiu pouco depois de chegar em casa.
No sofá, em frente à TV ligada. Nem se atreveu a pensar no que destruiu suas
esperanças. Mas naquela noite, sonhou com um fio escarlate que cortava a terra
entremeio estrelas alaranjadas, como as faíscas do Lucky Strike. E o rubor
repousava a meio mundo dali, como um chamado inconsciente de quem também sentia
sua falta.