Certa vez pensei ter visto a eletricidade passando por um fio no poste na rua. Foi tão rápido, um relance. Mas seria tão improvável tal fenômeno Thoriano que prefiro acreditar ter sido o reflexo de algum farol.
Como os aviões que quando estão tão longe, pequenos e silenciosos, por um segundinho que seja, pensamos ser cometas. Mas sendo aqui tão perto do aeroporto, os aviões passam tão baixo e tão gordos e barulhentos que eu posso até ler-lhes os nomes das companhias na lateral. Então deixei de acredirar em cometas. E mesmo que esteja vendo um, vou dizer que é só um avião em outra rota, longe. Os aviões graúdos que me acordam de manhã são como a realidade. A realidade pesa e acorda de um jeito incômodo.
Eu muito queria entender quem consegue aderir à realidade por inteiro. Pois eu, mesmo que tenha sido lançada dentro dela, vou sempre ver primeiro no raio de luz atravessando o fio e depois suspirar triste "farol. Não que seja altamente relevante a visualização de um pequeno fenômeno, mas pessoas que visam a fuga da realidade tem uma queda pela quebra da mediocridade.
"Medíocre". Eu sempre usei tanto essa palavra. Tantos anos de excentricidade. Pra agora só acreditar em aviões. Mas o que me restaria, de qualquer forma?
Como aquela vez que pensei ter visto uma faísca de amor nos seus olhos. Foi tá rápido. Um relance. Mas seria tão improvável tal fenômeno platônico que só me resta acreditar ter sido um reflexo dos meus se afogando no lodo insosso que dizem dar acesso à sua alma. E lá dentro eu me afogava em mil questionamentos e charadas e mesmo presa na cor de areia movediça, tentei nos puxar pra fora das companhias aéreas (tão reais!) E te levar a contar os cometas da vida, mesmo que eles não existam. Afinal, as vezes o melhor da vida nem é real. Mas era tarde de mais, pois na verdade seus olhos refletiam um "eu"que você nem sabe se conhece. E a quem você dá faróis.
Talvez você seja uma dessas pessoas reais que só acreditam em avião. Não necessariamente medíocre, mas bem avião. Bem farol.
E isso dá medo.