sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Proclamação da República

   "Ou eles saem, ou saio eu."
   E com essa certeza, levantou carregando preguiça até os fios de cabelo molhados. E após mais alguns minutos de enrolação, e de calçar o converse branco sem uma das palmilhas, saiu sem rumo, exatamente, com os fones de ouvido estourando um pós punk qualquer, só pra não ouvir o som da rua, só pra dar tempo de criar mil roteiros perfeitos que nem vão acontecer no final.
   Um desses dias que você sabe que não está com uma cara boa, que não vai sorrir por conta própria. Esses feriados que caem no dia errado e deixam a rua vazia que nem o coração.
   Foi então pro cinema, que compensava o deserto das ruas, parecia um formigueiro infernal. Já com o desânimo palpitando nas veias, nem percebeu que seus pés entraram na fila que parecia uma centopeia falante. Desculpa para conseguir mais tempo de pensar, de se acalmar, ou de ficar pior. Morrendo de ansiedade, como sempre acontecia em público de desconhecidos, ou simplesmente quando precisava esperar por qualquer coisa, foi seguindo passo a passo a multidão que não ouvia. Fones.
   Entre um "esgotou" e outro que os atendentes gritavam, resolveu checar a programação já que estava lá, seguindo a linha curva sem destino.
   E o azar foi tentar ver uma estreia ainda à venda. Depois de meia hora de sangue fervendo, refluxo, vontade de empurrar meia dúzia de adolescentes anencéfalos, chegou ao caixa que anuncia o esgotamento da tal sessão.
   "Okay, o que tem pra amanhã?"
   Contendo uma lágrima de desapontamento com a vida, visualizou a tela cheia de numerinhos não-verdes, quase todos. Quase se esgotando também. Quis jogar o monitor no chão e pisar em cima até não sentir mais as pernas.
   "Domingo, então..."
   Quis comer alguma coisa, a praça de alimentação em outro andar. Fechada. Feriado, feriado, FERIADO!
   Volta pro andar do cinema pra loja de conveniências, pisando a escada rolante como se fosse uma das paradas. A raiva havia enchido o estômago.
   "Ninguém consegue ser mais infeliz que eu."
   A coisa mais certa que já havia pensado. Não com raiva ou real angústia, só uma acomodação, uma aceitação. Há quem nasce pra ser feliz e quem, bom...
   Voltar pra casa nesse humor com uma coca e um ingresso pra dali a dois dias nunca seria garantia de realmente assistir alguma coisa, mas quis botar na cabeça que não havia saído à toa, isso era importante.
   Terminou a noite achando na tevê a gravação de um show do ano passado, que planejou ir, mas não foi. E ali, verificando o que perdeu, desejou mesmo é que tivesse perdido o dia, esse completamente desnecessário da vida.
 

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