sábado, 27 de agosto de 2011

Centro

  Era tudo tão vertical e confortava tanta gente.
  Ela se espantava, de início. Pensou até que levaria meses pra se acostumar. Não foi bem assim. Logo já andava por si só entre as aglomerações de pessoas e prédios.
  Começou a gostar do que via. Fácil adaptação? Parabéns, parabéns. Porém...
  Tudo era grande e iluminado e distante. Distante do que ela queria. Ela nunca está satisfeita onde está. Em algum ponto do Sudoeste é que... Oh! Como são tristes as noites urbanas. Se dormimos, os aviões sussurram em nossas cabeças como mosquitos. Se não dormimos, nos decepcionamos com um amanhecer sem galo. Se saímos, só esbarramos em desconhecidos.
  E a ela, cabia o oposto do que a agradava: A solidão sem estar sozinha. Milhões de pessoas nas ruas. Nenhuma a chamaria pelo nome e a reconheceria com os olhos.
  Centro da cidade: Você acaba não sendo você. Você acaba sendo só uma pessoa
                       Ela nunca vai se adaptar.

Quarta

Meio de semana
Mão esquerda rabiscada
Havia uma palavra em alemão
Dois versos singelos de um refrão
Análise química, balanceada
E na cabeça, palavras variadas
Thebas, Tróia, Travesseiro, Tamanho
Teia, Tábua, Até, Estanho.

Meio de semana
Dia meia-boca
Sustos, sonhos, corujas
Livros, vontade, roupas sujas
Preocupações, espera, paciência
Ansiedade, raiva, ausência
Dia frio e amargo no ato
Quarta, dormindo, no quarto.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Violino

   Você nunca supõe que uma ida medíocre ao banco será a melhor parte do seu dia, até que acontece.
   Do lado de fora, escorado em uma coluna, o jovem violinista nos dava mais que a alegria de sua música. Dava-nos sorrisos. E a meu ver, sinceros.
   A pressa da cidade não me deixou contemplá-lo por muito tempo. Aqui é tudo tão corrido que penso que se eu paro para observar algo por mais de um minuto, acabarei sendo empurrada sob acusações de engarrafar a calçada.
   Continuei espiando-o da fila do banco. Ele parecia tão satisfeito de estar ali! Assim como eu agora também estava.
   E então chegou ao fim a melodia chorosa e harmônica. Olhei por cima das várias cabeças que se sucediam a mim na fila, e o músico estava abaixado junto à caixa do instrumento. Tudo que pude ver foram seus cabelos cor de trigo.
   Ele devia estar contando o lucro daquela tarde. Mas afinal, quanto vale a alegria de ter música em meio a tanto caos? Claro que a maioria passava ao lado dele e com certeza não sentia som algum. Jogavam uma moeda ou outra pelo costume de sempre fazerem isso com quem para na ponta da calçada.
   Eu nunca o daria dinheiro. Não é justo trocar algo tão nobre por um pedaço sujo de papel, cujo existem milhões de cópias por aí.
   Eu lhe retribuiria o sorriso, e talvez ficasse ali, ouvindo até ele se cansar. Mas ambos engarrafariam a calçada.
   Resolvi meus problemas burocráticos, mas o violinista já havia partido quando saí. Olhei para os lados em busca dele, mas nenhum sinal. Só a mesma aglomeração apressada de sempre. Respirei fundo e segui com eles, um pouco mais rápido que eu andaria, para me encaixar.
   Mas a cidade me pareceu mais bonita desde então. Por que apesar de tudo, agora sei que ela esconde o melhor músico que já vi: Um que distribuía sorrisos e não precisava de palcos.

domingo, 21 de agosto de 2011

Privação

Não há segregação na alegria
Alegria é alegria
Se não quiser ouvir uma, não ouvirá nenhuma.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Medo de altura

   E o pintor que se arrisca no décimo primeiro andar do edifício não sabe que o vejo da janela. Não sabe nem que está neste texto que escrevo. Talvez nunca saberá.
   Eu queria saber o que ainda não sei. Eu queria contar a ele que faz parte do que escrevo aqui. Mas é arriscado e tenho medo de altura.

Teoria

"Entre o que sentimos e o que escrevemos existe uma distância insalvável"
(Luciana di Leone)

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

sábado, 13 de agosto de 2011

Uma mensagem

E eu não vou retirar o que eu disse.
Nem dizer que não era o que eu pretendia
Você é o alvo em que eu estou mirando
E eu não sou nada sozinho
Eu tenho que levar essa mensagem para casa

E eu não vou ficar aqui e esperar
Não vou deixar até que seja tarde demais
Em uma plataforma, ficarei de pé e direi
Que eu não sou nada sozinho
"E eu amo você, por favor venha para casa"

Minha canção é amor, amor desconhecido
E eu tenho que levar essa mensagem para casa.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Sobre cor e som

  Algo que sempre aconteceu desde que eu me lembre: Imagino as letras do alfabeto acompanhadas de cores. Não porque eu pensei para pintá-las, mas sempre tiveram sua própria cor pra mim.
  Algumas são indefinidas e sempre serão, mas outras, mais legíveis que nunca.
  O "A" é feminino. Sempre o vi rosa. Assim como o "B" é azul escuro. O "C" é de um tom mais claro, meio piscina, enquanto o "D" é praticamente verde oliva.
  O "E" é definitivamente amarelo! A mais nítida das letras. Depois disso, há essa indefinição sobre as letras com as quais não me importo muito. Começa no "F", que não tem cor. (ou que eu não faço questão de colorir).
  Tudo volta a clarear no "M". Ele já foi bordô. Bem escuro. Hoje em dia está vermelhão! Berrando, bonito, emplumado. Passou toda essa vida pra seu visinho, "N", que antes era rosa (não tão rosa quanto o "A". Que fique bem claro!). O "N" hoje é de um vermelho calmo, desbotado do maioral e cintilante "M", que continua todo "leão". (quase o imagino em movimento). O "O" anda meio encardido. Quase pérola, apesar da força.
  O "R" é marrom, claro e forte. Quase tijolo, ou ferrugem. "S" é lilás transparente. Quase não tem som, ora essa! O "T" parece cor de fumaça e o "U" é azul-noite, mais escuro que o "B". E o "V" é muito vinho. Chega a ser fino. O resto volta a se embaralhar. Não penso muito em certas letras.
  E não há mesmo motivo para falar disso, mas acho bonito registrar as cores que sempre me acompanham enquanto escrevo ou falo.
  Prefiro que sejam assim do que monocromaticamente pretas.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Noite dessas

Coloco a cabeça para fora da janela e deixo que o mais forte dos ventos litorâneos brinque com meu cabelo. Ao mesmo tempo, fecho os olhos e deixo a boca esboçar um sorriso enquanto me lembro de cada palavra surpreendente que li, ouvi, falei, pensei e ensaiei dizer. Refleti sobre cada pedido nunca antes feito, que hoje poderia significar um "entre sem bater" e o quanto isso é importante, eu nunca poderei calcular. Ainda mais se considero a máxima "toda brincadeira tem um fundo real". Seus olhares tímidos agora se limitam aos meus exageros. Mas quando percebo, já exagerei.
   E já que confia em meus argumentos, devo pensar que sei lidar com as palavras e usá-las da melhor forma.
   Sempre foste minha maior inspiração. Acho incrível isso de um Ser Humano trazer tanta felicidade. É que ultimamente o que nos deixa feliz é um pedaço de papel que pode ser levado pelo vento. Ah, o vento! Tirou mesmo meu cabelo pra dançar. Eles rodopiam e rodopiam e rodopiam...

BR

verão na cidade, estou sozinha, sozinha, sozinha
entrei num protesto apenas para esbarrar em estranhos.
e eu senti chegando, mas também me senti triste e isso não me pareceu
muito digno agora.

verão na cidade significa separação, separação, separação.
e não me entenda errado, querido, em geral estou me sainddo muito bem
é apenas quando é verão na cidade, e você está tão distante da cidade
e eu começo a sentir saudade, às vezes

quando é verão na cidade, e você está tão distante da cidade
e eu começo a sentir saudade, às vezes.

(Regina Spektor)

terça-feira, 2 de agosto de 2011

O Único

  Sorri e vira os olhos para a esquerda e direita, como se procurasse por uma resposta tímida e engraçada.
  Pede para que eu confesse. Pede sem querer. Inocência irônica que me alegra. O tanto que te confio é o tanto que te escondo as coisas. Sinto muito se não quero espantá-lo. Não é questão de querer, mas poder. É isso: Não posso espantá-lo. Me devo isso.
  "Seria um desespero perder alguém tão..." puxa, não consigo completar. Pensei em vários adjetivos, mas nenhum é completo. É o único que não consigo nomear. O único.
  Pensei por algumas horas que o havia perdido e foi simplesmente um inferno mental. Mas essa história pertence a outro texto.
  Já este é sobre tudo que vejo, tudo que decoro, tudo que sei, tudo que tento não transparecer. (digo "tento" porque não sou boa nisso. Sou péssima em qualquer tipo de fingimento). E também sobre tudo que me remete àquele olhar vacilante e curioso. Cada cor, cada som, cada cheiro, cada angústia, cada medo.